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O polêmico Aspartame

A história de como o açúcar falso foi aprovado é tão assustadora quanto o inferno
Por Kristin Wartman Lawless

O senso comum sobre o adoçante artificial mais difundido no mercado, o aspartame, é que ele é perfeitamente seguro. A substância está presente em mais de 6.000 produtos e é adicionada às versões diet da Coca-Cola, Pepsi, Sprite e Dr. Pepper. Também é vendido sob as marcas NutraSweet e Equal. Representa uma indústria de bilhões de dólares.

Artigos populares em toda a internet nos últimos anos têm declarado que as preocupações sobre o aspartame nada mais são do que propaganda exagerada. Um pediatra e colunista do The New York Times defende o aspartame e diz que ele regularmente aos seus filhos. A Vox dispensa as preocupações sobre o adoçante e inclui um vídeo sobre o quanto o produto é seguro.

Estes são canais respeitáveis de notícias. No entanto, ao contrário do que suas manchetes sugerem (ver, entre muitos outros: Evidências aprovam adoçantes artificiais sobre açúcar ou Bebidas sem açúcar são seguras), os cientistas com os quais eu falei para saber mais sobre esta estória não estão confortáveis em fazer afirmações tão ousadas. Eles dizem que realmente não existem dados definitivos para mostrar que o aspartame seja seguro. "Eu certamente não diria que é seguro", diz Robert Lustig, um neuroendocrinologista pediátrico da Universidade da Califórnia, em San Francisco, que escreveu extensivamente sobre o assunto. "Nós simplesmente não temos dados".

Não há dúvida de que as táticas para assustar às vezes são usadas por alarmistas da área da saúde que exageram o caso ou distorcem a ciência, mas a pressa para defender um produto de bilhões de dólares para a indústria - que no mínimo provou ter pouco benefício - também é curiosa. Antes de chegarmos às reais preocupações dos efeitos do aspartame sobre a saúde, vamos dar uma olhada no histórico de sua controversa aprovação pela FDA.

O aspartame foi descoberto pela GD Searle, uma empresa farmacêutica de Chicago, nos anos 60. O FDA aprovou pela primeira vez em 1974, mas na época um cientista do FDA, descobriu que havia graves deficiências em todos os 15 estudos a longo prazo que a Searle havia submetido para revisão. Por exemplo, alguns ratos nos estudos morreram mas não foram necropsiados para discernir a causa. Em outros casos, o aspartame não foi bem misturado na alimentação e os ratos estavam comendo ao redor dele. Houve também evidências de tumores cerebrais nos ratos em vários estudos.

As conclusões de Gross, juntamente com a pressão de outros cientistas, resultaram em uma comissão pública de inquérito no início de 1980 composta por três cientistas independentes que analisaram os dados e votaram para reter a aprovação, porque "não acreditavam que os estudos da Searle tenham demonstrado conclusivamente que o aspartame não cause tumores cerebrais".

Na época, Donald Rumsfeld era o CEO da Searle. Ele também estava na equipe de transição que apoiava Ronald Reagan, que assumiu em 1981. Após a posse de Reagan, a Searle re-apresentou o aspartame ao FDA para aprovação, no momento em que Reagan demitiu o comissário da FDA e substituiu-o por Arthur Hayes Hull Jr., que re-aprovou o aspartame para produtos secos.

O aspartame rapidamente inundou o mercado, e dois anos depois também foi aprovado para uso em líquidos. Pouco depois, Hull saiu da FDA e assumiu um emprego com a Burson Marsteller, a empresa de relações públicas da Searle. Enquanto isso, a Searle (que a Monsanto comprou em 1985) fez bilhões e Rumsfeld, é claro, mais tarde se tornou o Secretário de Defesa do George W. Bush. (Para maiores informações sobre esta história, consulte o documentário de 60 minutos de 1996 e o artigo do Times de 2006).

Muitos desses estudos da Searle que Gross questionou, agora estão agrupados nos dados que dizem que o aspartame é seguro. E embora a questão do aspartame causando tumores cerebrais tenha sido largamente dispensada ao longo dos anos, não houve muitos dados novos sobre o assunto. De fato, um relatório do General Accounting Office de 1987 afirma que 28 dos 69 cientistas disseram que mais pesquisas seriam necessárias nas áreas de "funções neurológicas, tumores cerebrais, convulsões, dores de cabeça e efeitos adversos em crianças e mulheres grávidas". No entanto, o relatório acrescentou, a investigação estava em curso em todas as áreas, exceto em tumores cerebrais. Além do mais, a FDA dissuadiu o National Toxicology Program (NTP) de fazer maiores investigações sobre o câncer e o aspartame. Como disse o fundador do NTP, David Rall, "É uma ótima maneira de garantir que não seja testado - desencorajar o grupo de teste de testá-lo e dizer que é seguro".

Um estudo a longo prazo em seres humanos encontrou uma associação positiva entre a ingestão de aspartame e riscos para linfomas não-Hodgkin e mieloma múltiplo em homens e leucemia em homens e mulheres.

Em 1996, John Olney, professor de patologia e imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, afirmou ter encontrado evidências epidemiológicas de que a introdução do aspartame nos EUA estava ligada a um aumento de uma forma agressiva de um tumor cerebral chamado glioblastoma. Mas isso foi criticado por ser apenas uma correlação e ele foi exonerado pelo FDA.

Então, de 2006 a 2010, o Instituto Ramazzini na Itália publicou três artigos com evidências de câncer em animais de laboratório expostos ao aspartame. No maior e mais longo estudo, que durou sete anos com 1.900 ratos, os pesquisadores encontraram taxas surpreendentemente altas de linfomas, leucemias e outros tumores, incluindo tumores renais. Um estudo de acompanhamento em 2007, que expôs ratos ao aspartame desde o útero e durante toda a vida, encontrou os mesmos tipos de cânceres além do câncer de mama. Um terceiro estudo em 2010 encontrou câncer de fígado e pulmão em ratos machos. Esses resultados também provocaram controvérsia, com perguntas girando sobre o próprio laboratório. A indústria rapidamente tratou de condenar as descobertas por supostas falhas nas pesquisas.

O Centro de Ciência de Interesse Público (CSPI) realizou uma investigação detalhada sobre os resultados relatados pelo Instituto Ramazzini, fornecendo mais informações ao FOIA. Lisa Lefferts, cientista sênior do CSPI, disse que as críticas não têm valor, e caracterizou as descobertas desta maneira: "Há provas consistentes de estudos independentes bem planejados de que o aspartame causa câncer em animais e, portanto, também pode causar câncer em seres humanos É uma evidência bastante convincente e recomendamos que os consumidores evitem isso".

Lefferts acrescenta que as descobertas Ramazzini foram suficientes para a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (IARC), que é um ramo da Organização Mundial de Saúde, "prestar a atenção”. Estes são os tipos de resultados que preenchem os critérios de preocupação", ela diz. A CSPI enviou dados ao IARC para revisão em 2014, no momento em que a agência concordou que deveria ser uma prioridade para revisão, diz Lefferts.

Erik Millstone, professor de pesquisa de políticas científicas na Universidade de Sussex, que estuda o aspartame desde 1984, diz que os estudos de Ramazzini fornecem "motivos suficientes para proibir o aspartame. Sabemos que causou câncer em muitas variedades de várias espécies de animais de laboratório de forma dose-relacionadas, e em diversos locais".

Então, em 2012, Harvard publicou descobertas sobre o mais longo estudo epidemiológico em humanos, que analisou o consumo de aspartame durante um período de 18 anos. Os pesquisadores descobriram uma associação positiva entre refrigerantes dietéticos e a  ingestão total de aspartame e os riscos para linfomas não-Hodgkin e mieloma múltiplo em homens e leucemia em homens e mulheres (por que os homens parecem estar em maior risco é interessante, veja este vídeo para saber mais).

Esses resultados também foram controversos e, pouco antes da publicação do documento, cientistas do Brigham and Women's Hospital (em Harvard) enviaram memorandos à imprensa dizendo que achavam que os dados eram fracos. Mas Walter Willett, professor de epidemiologia e nutrição em Harvard e co-autor do estudo, disse à NPR que os resultados eram suficientemente fortes para "justificar mais pesquisas sobre aspartame e o risco de câncer".

"Se estou preocupado? Claro!", diz Lustig. "Se eu beberia esta coisa? De jeito nenhum!"

A história atribulada e as descobertas científicas sobre o adoçante levantam muitas dúvidas, mas estes não são os únicos fatores a considerar. E quanto ao seu propósito declarado: reduzir o consumo de calorias, ajudar na perda de peso e talvez reduzir o risco de diabetes?

Sabe-se que há uma correlação entre estar com excesso de peso e o consumo de refrigerante diet, mas a questão é a forma como esta associação funciona. As pessoas que estão acima do peso tendem a beber refrigerante diet, ou será que há algo sobre o refrigerante diet estar contribuindo para o ganho de peso? Um estudo de 2015 descobriu que o consumo a longo prazo estava associado ao aumento da circunferência da cintura. E um estudo de 2016 descobriu que as mães que consumiam refrigerante diet durante a gravidez tinham bebês com um risco duas vezes maior de sobrepeso com um ano de idade.

Embora a questão de se o edulcorante faz com que ocorra ganho de peso, diabetes ou outra doença metabólica não está definida, mas existem algumas correlações notáveis. Em 2013 uma revisão Purdue de mais de 40 anos descobriu que as pessoas que consomem regularmente edulcorantes artificiais estão em maior risco de obesidade, diabetes tipo 2, síndrome metabólica e doenças cardiovasculares. Uma análise de 2013 de mais de 66.000 mulheres mostrou que o consumo de ambas as bebidas adoçadas com açúcar e bebidas artificialmente adoçadas foi associado com o aumento do risco de diabetes tipo 2. E outra grande descoberta veio quando os pesquisadores da Harvard Medical School analisaram dados do Estudo de Saúde das Enfermeiras (Nurse's Health Study) e descobriram que as mulheres que bebiam mais de dois refrigerantes adoçados artificialmente por dia, tinham um risco duas vezes maior de declínio da função renal ao longo de duas décadas.

Mas a pesquisa mais recente está trabalhando em modelos de causalidade, não apenas associação. No Instituto Weizmann, em Israel, os pesquisadores descobriram que a alimentação de camundongos com adoçantes artificiais causou intolerância à glicose, um dos principais marcadores no diagnóstico de diabetes. Através de uma série de experimentos, os pesquisadores concluíram que os edulcorantes estavam fazendo alterações nas bactérias no intestino (chamado microbiota), induzindo intolerância à glicose. Os pesquisadores fizeram um pequeno estudo de seguimento em humanos e obtiveram o mesmo resultado.

Outra preocupação, diz Lustig, é que os adoçantes artificiais podem te fazer comer demais. Dois estudos recentes mostram que os adoçantes artificiais resultam em um aumento nos níveis de insulina em resposta a outros alimentos consumidos. Ou seja, beber adoçantes artificiais têm um efeito metabólico que muda a maneira como seu corpo reage a outros alimentos.

Yanina Pepino, autora de um desses estudos na Universidade de Washington, em St. Louis, disse sobre sua pesquisa: "Nossos resultados indicam que este adoçante artificial não é inerte - têm um efeito e precisamos fazer mais estudos para determinar se esta observação significa que o uso a longo prazo poderia ser prejudicial".

Há ainda outro problema: uma vez que nossos corpos foram preparados para detectar a doçura, temos receptores na nossa língua que enviam mensagens ao longo de nossos sistemas quando algo doce chega lá. Primeiro, uma mensagem vai para o cérebro dizendo que esperar uma inundação de açúcar, então a mensagem vai para o pâncreas, que se prepara para liberar insulina. Mas no caso de um adoçante artificial, o açúcar nunca vem, assim que o pâncreas envia um sinal para procurar mais glicose, o que resulta em você sentir fome, fazendo com que você coma mais.

David Ludwig, um endocrinologista e professor de nutrição na Harvard Medical School, escreve em um comentário para JAMA que "edulcorantes artificiais têm o potencial de interagir com os nossos evolutivamente antigos caminhos sensorineurais com afinidade notavelmente alta". Em outras palavras, o corpo não sabe como responder a produtos artificialmente adoçados, fica confuso e as coisas podem não dar certo.

"Os adoçantes artificiais se ligam às centenas de receptores do sabor doce de forma milhares de vezes mais potente do que o próprio açúcar", diz Ludwig. "Qual efeito terá sobre as nossas preferências de gosto e metabolismo a longo prazo? Infelizmente, nós simplesmente não sabemos ainda a partir de pesquisas disponíveis, mas os resultados preliminares fornecem motivo de preocupação." Uma coisa é clara neste momento, Lustig acrescenta: "Adoçantes dietéticos certamente não estão fazendo o que as empresas dizem que deveriam fazer em termos de ser um método para promover a perda de peso".

Tenha em mente que, uma vez que a substância começou a fazer parte da alimentação desde a década de 1980, seus efeitos de longo prazo estão apenas começando a serem compreendidos, incluindo os efeitos do aspartame sobre a microbiota, bem como o potencial de câncer ao longo do consumo de décadas.

Do seu lado, o FDA mantém sua decisão sobre o aspartame. Em um e-mail para a Tonic, um porta-voz escreveu, "O aspartame é uma das substâncias dos produtos alimentares para humanos mais exaustivamente estudada, com mais de 100 estudos apoiando a sua segurança. Os cientistas do FDA analisaram dados científicos sobre aspartame ao determinar que o aspartame é seguro para a população em geral sob certas condições".

Perguntei a Lustig como ele estava preocupado com o adoçante diet: "Se estou preocupado? Claro!", diz Lustig. "Se eu beberia esta coisa? De jeito nenhum!

Artigo original aqui. Tradução: Regiany Floriano

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